sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Uniformologia Militar Portuguesa.9

Capítulo 9. Contexto uniformológico do plano de 1885

A questão do plano de uniformes de 1885 pode ser ligada à reorganização do exército, levada a cabo em 1884, sob a responsabilidade do Ministro e Conselheiro Fontes Pereira de Melo. Esta reorganização marcou um passo no relançamento de uma ideia global de defesa eficaz da nação, conforme se pode verificar no discurso de apresentação deste projecto de lei na Câmara dos Deputados: “Ninguém contesta a urgência de dar ao nosso exército uma nova organização, pela qual tenha o país a garantia de uma defesa regular e prolongada, em harmonia com a sua população e os seus recursos; querem todos, porém, que não aumente a despesa que se faz com o ministério da guerra. O problema posto nestes termos é insolúvel.” (A. Coelho, 1988, p. 21). Mas se a reorganização perduraria mais ou menos intacta, mesmo com as alterações do sucessor de Fontes Pereira de Melo, o Conde de S. Januário e do General Sebastião Teles, não se registando desvios aos princípios gerais da comissão de 1884 (idem, p. 53), já o plano de 1885 vai ceder ao hábito de sofrer contínuas alterações, modificações ou supressões, e tal sucede, curiosamente, logo após a demissão do Ministro da Guerra, em 20 de Fevereiro de 1886, seguido do seu falecimento, decorrido quase um ano depois, em 22 de Janeiro de 1887.
Tão ambicioso como a reorganização do exército, este plano de 1885, que erradicara o figurino afrancesado de 1856, 1868 e 1869, adoptaria sem hesitações a aparência prussianizante que é patente nos seus fardamentos. Seria, sem dúvida, um passo muito dispendioso a dar, para reuniformizar todo o exército, mas estava-se decidido a dá-lo. A prová-lo está a própria estrutura do plano, que era muito completo, eloquente e sem mal entendidos quanto às matérias decretadas, em tudo auxiliado por uma iconografia excelente e de fácil compreensão.
O plano de uniformes contido na O.E. nº 15 de 5/10/1885, já decretado em 1 de Outubro desse ano, é precedido de uma longa série de disposições gerais que regulamentariam todos os aspectos essenciais para implementação desta nova legislatura sobre os fardamentos do Exército Português.
A cor azul ferrete era mantida nos casacos, dolmans e barretes de pequeno uniforme, para o Estado Maior General (E.M.G), Corpo de Estado Maior (C.E.M), das Armas de engenharia, artilharia e cavalaria. A cor pinhão era alargada dos caçadores para os regimentos de infantaria de linha, diferenciando-se uns e outros pela cor das golas; negras para caçadores e encarnadas para a infantaria de linha. Para além da infantaria de linha, as golas encarnadas eram destinadas também ao E.M.G, ao C.E.M., à artilharia e cavalaria, enquanto que a engenharia usaria golas de tecido preto como os caçadores. Para as unidades não combatentes as golas seriam em azul claro, carmesim para os serviços de saúde militar e golas brancas para militares na reforma até ao posto de coronel.
O pano designado de mescla escura, que deveria ser quase negra, seria usado para a confecção dos capotes e das calças do Exército, com excepção das calças de infantaria e caçadores que seriam em pano ou saragoça cor de pinhão. Ao Estado Maior General reservava-se o uso exclusivo da calça azul ferrete para o grande uniforme ou 1o uniforme (O.E. nº 15 de 5/10/1885, título I, capítulo I, p. 308).
Do artigo 5º ao artigo 7º do capítulo I das disposições gerais, são especificados os pormenores relativos às calças regulamentares. Assim, as listas de pano para aplicação na parte exterior das calças deveriam medir 2,2 cm de largura e, quando fossem duplas, teriam um espaço intermédio de 3 mm. Esta última medida aplicava-se igualmente aos vivos que guarneciam todo o fardamento. Este tipo de ornamentação teria a mesma cor das golas dos casacos e dos dolmans. Abria-se uma excepção para as calças azuis ferrete, dos oficiais generais, a que se aplicava galão de ouro, que nesta O.E. é denominado de Imperador. O comprimento das calças dos sargentos e praças apeados devia ser embainhado, de maneira a que ficasse distante do solo 3,3 cm, tendo os pés unidos, em posição de sentido. Para as tropas montadas, a calça devia ser mais comprida, de maneira a assentar sobre a pua da espora, ao nível do tacão da bota.
Os oficiais não são referidos neste caso, o que demonstra o seu estatuto superior, e a liberdade de assentarem as calças sobre o calçado, conforme a sua altura ou compleição (idem, capítulo I, artigos 5º a 7º, p. 309). Seguidamente foi contemplado o capote, no qual, conforme o modelo, variava a distância da bainha, ou orla, até ao solo. Nas tropas apeadas essa distância mediria 33 cm, e nas tropas montadas ficava-se pelos 20 cm, isto para melhor proteger o usuário quando no serviço a cavalo.
Em relação aos 22 cm determinados em 1856, verificamos que a bainha dos capotes de tropas apeadas sobe 11 cm, dando eco a muitas queixas, cujo argumento se baseava no embaraço de movimentos, causado pelo excessivo comprimento e peso das abas inferiores do capote. (O.E. nº 15 de 5/10/1885, título I, capítulo I, artigos 5º a 7º, p. 309). Para as tropas a cavalo, não se verificam alterações nas medidas desta natureza.
Para o reforço de protecção, tanto para a chuva como para o frio, todos os modelos continuariam a possuir um cabeção de dimensões variáveis, amovível e que se fixava por meio de três pequenos botões. Um desses botões era pregado na costura central que unia a gola ao capote e os outros dois nas extremidades. No caso do cabeção curto, mais apropriado para tropas apeadas, a orla alcançava o meio do antebraço. Na versão longa, de cavalaria, a orla deveria chegar à última falange dos dedos das mãos, quando os braços estivessem estendidos naturalmente ao longo do corpo (idem, ibidem).
Quanto às peças superiores básicas, ou seja, o casaco, o dolman e a jaqueta, as suas golas são redefinidas. Com a introdução definitiva da gola aberta, mediria 20º a incidência do ângulo da referida abertura. Estas golas teriam uma altura variável de 3,5 a 4 cm, conforme a peça, e os cantos deviam ser arredondados. Abdicando-se definitivamente das cores regimentais, a distinção passa a ser feita através de emblemas de Arma, ou números regimentais, que para os oficiais seriam bordados a ouro. Para os sargentos e praças, os emblemas e números seriam de metal, excepto nas jaquetas e na sua extrapolação, o jaleco, aonde seriam recortados em pano da cor da gola dos casacos, excepto para os caçadores que os teriam em cor verde.
Em termos descritivos, estes emblemas consistiam em: para os generais, um bordado a ouro na gola do casaco, herdeiro do modelo (à austríaca) de 1856. O modelo é visível na figura nº 1 da O.E n 15 de 5/10/1885. Os generais de divisão usavam três estrelas de prata e os generais de brigada só duas similares. A figura nº 29 demonstra a configuração dessa estrela de cinco pontas. A sua colocação na gola do dolman é descrita na figura nº 2 do plano de ilustrações explicativas desta O.E.. O emblema do Corpo de Estado Maior do Exército, a colocar na gola do dolman, consistia no óculo e na espada cruzados (conforme se pode ver na figura nº 4) e num galão de ouro do padrão representado na figura nº 3, esse a ser aplicado na gola do casaco em grande uniforme.
A Arma de engenharia continuava a ser representada por um castelo (figura nº 5), cuja aplicação era comum ao casaco e ao dolman. Esse conceito era similar ao determinado para a artilharia, cujo emblema era uma granada flamejante (figura nº 6) e, para a cavalaria, variavam os emblemas entre os sabres cruzados para caçadores a cavalo e as lanças cruzadas para os lanceiros (figuras nº 7 e nº 8). A infantaria continuava a usar os mosquetes cruzados, símbolo que se estendeu aos caçadores a pé, deixando de arvorar a tradicional corneta (figuras nº 9 e nº 10).
Continua

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